Útil

A última vez que escrevi aqui eu tinha alguns muitos sonhos. Queria dizer que quase sobrevivi ao primeiro período. Saí dele muito diferente do que entrei e devo dizer que a experiência na faculdade de medicina é exaustiva do primeiro ao último segundo. E talvez depois dele. 

Quase sobrevivi porque apresento escoriações e cicatrizes. Marcas de um momento de muito embate, muita luta e pouca sanidade mental. Muitos, muitos textos lidos. Uma quantidade absurda de conteúdo sendo introjetado na minha mente, 24 horas por dia algumas vezes. E uma dose também absurda de cafeína percorrendo meu sangue pra me manter alerta. Forte. De olhos abertos. 

Você aprende a ser resistente. A gente babaca, que te desrespeita por respirar. A gente maravilhosa porque a última coisa que você precisa depois daquela semana horrenda é alguém pra te acalentar. Às vezes você não quer ouvir ninguém falar, nem um "Eu te amo". Sua exigência é dormir e não pensar mais em eletros, espasmos, elétricos, sódios, potássios, extensores e flexores. 

Você aprende que em alguns momentos você vai ver a morte como cotidiana. E isso assusta, dá nó na garganta. Você luta para não naturalizá-la a tal ponto de não senti-la. Luta para humanizar o que para os outros é uma peça anatômica. Eu me recuso. Me recuso. E a recusa me faz me sentir mais humana, mais parte de tudo aquilo. É tudo muito louco, é tudo muito palpável. Céus, isso tudo é muito pleno!

E acho que isso define: pleno. É tudo muito pleno a todo tempo. Cada minuto tem um turbilhão de sensações, do ódio ao amor. É plena a forma que sinto olhando pra quem eu era há um ano. Longe dos meus sonhos, perto de um milhão de neuras. Ainda cheia das neuras, mas estar vivendo o sonho é algo a se comemorar, não?

Você aprende a conviver com o medo. Medo de não ser suficiente. Tem algo muito importante nas suas mãos e esse algo é muito mais que uma massa com órgãos. Sente dores, sente medos assim como você. Conviva com o medo e torne-o seu principal aliado para estar sempre alerta. Torne-o, também, seu mais bravo inimigo e nunca se acanhe perante ele. 

Você aprende quão imaturo você era até ali. E quão criança você vai se achar nesse momento quando daqui a seis anos olhar pra trás. 

Peço todos os dias ao infinito para ser útil. Ainda que com medo, passível de chorar e nova, que eu seja humana. 
Que eu deite todos os dias a cabeça no travesseiro me lembrando do compromisso que tracei comigo mesma: que eu seja útil para alguém na profissão que escolhi. E saiba que a forma que escolhi para ter esse contato com as pessoas me deixe consciente de quão frágeis nós somos a todo momento. E como somos fortes por isso!


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